sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Café da tarde

- Estive fora por 10 anos. Voltar para casa é sempre bom – disse o homem de 30 anos, portador de olhos atentos, cabelos raspados e braços mais definidos que finos.

- Que legal! É sempre bom reviver e rever as raízes, mesmo que essas raízes sejam, ou estejam, tão enterradas no interior – continuou a moça ruiva moderna demais para aquele vilarejo.

- Sim. Talvez eu fique de vez... tenho certeza que aqui as coisas ainda são as mesmas. As ótimas e mesmas coisas! – subiu o tom o rapaz.

- Do que sente mais falta? Tantos anos fora... Talvez algo tenha mudado – abriu os lábios, já quase sem batom.

- Sinto falta de tanta coisa. Mas principalmente do café da tarde ao lado da minha mãe e meu irmão. Ele deve ter virado um grande homem. Ele tinha 10 anos quando sai de casa para servir como sargento da aeronáutica. Desde então, não voltei mais. Perdi o contato com todos por conta de alguns desvios da vida – lembrou o homem enquanto baixava o tom.

- Viver é recuperar contatos. O tempo tira as coisas do lugar, mas nossa capacidade de substituir é maior. Talvez esse seja o grande dom da humanidade: substituir sem tirar – e olhou para a janela.

Eles desceram do ônibus e cada um tomou um rumo. Rodoviárias são para se perder. Depois de esperar algumas horas, o rapaz pagou e pegou um carro de passeio que agia como taxi e chegou ao velho endereço.

A porta ignorou as batidas dele. A velha casa estava nova. Tinha outra cara. Na quinta tentativa, quando já pensava em voltar, alguém abriu.
O relógio marcava 17h em ponto e o Sol ensaiava um descanso. Quem abriu a porta foi a moça ruiva que estava no ônibus horas antes.

- Oi... Você mora aqui? – interrogou ele quase apagando as palavras.

- Sim. Há cinco anos. A família que vivia aqui se mudou depois que a senhora que era dona da casa morreu – respondeu ela.

- Era minha mãe... – contou o rapaz enquanto uma lágrima se revelava.

- Lamento... Muito... – disse ela compartilhando o choro.

Ele se virou para ir embora, como fez 10 anos antes, só que acreditando menos em certezas.

- Não tem café. Mas tem chá. Quer um? – sugeriu a ruiva adoçando as palavras e a vida.

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