segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Que faço eu da vida sem você?

*conto publicado originalmente no livro "Histórias de um Boteco Verdinho"

Entrou no bar driblando a multidão que se concentrava na porta. Era um senhor de uns 60 e todos anos, mas parecia um esportista começando a carreira. Disposto a um bom porre e uma noite de farra, não fazia o estilo atleta de Cristo.

Eu estava em uma das primeiras mesas do bar, usando minha camisa do Náutico, clube de Recife, pelo qual tenho muito carinho. Ele me tocou o ombro, com a categoria de um Zidane:
– Essa camisa é do Bangu?

– Não, é do Náutico. Muito maior – brinquei.

– Maior o cacete! Quando esse timeco ganhava estadual em Recife, na década de 1960,o Bangu, onde joguei, era campeão carioca e encantava o Brasil e o mundo! Falou com mais fúria que sorriso.

– O Náutico foi vice-campeão da Taça Brasil de 1967, disputou a Libertadores, o primeiro de Recife a fazê-lo – respondi à altura dos dois timaços!

– Você entende, hein, garoto? Acho que jogamos com eles em 1960 e alguma coisa. Acho. A memória não é a mais a mesma.

– Tu jogou no Bangu mesmo? – entrevistei.

– Claro – confirmou, me dizendo a escalação do time de 1966, campeão carioca.

O cara já era meu parceiro de ataque. Sentado ao meu lado, tivemos uma conversa bastante agradável sobre o futebol de outros anos.

O antigo meia me confidenciou que sente falta dos tempos de futebol. Disse que quando teve de parar notou que sua vida não fazia mais sentido. Perdeu a sequência.

– Garoto, vou te contar uma coisa e dar um conselho ao mesmo tempo: nunca dedique toda sua vida a uma coisa só. Aprenda a dividir. Ampliar seus horizontes. Eu só me dediquei ao futebol. Não fiz família e os parentes que tinha morreram. E para piorar, na minha época não se ganhava muita grana. Quando parei de jogar, fiquei fodido. Tive que trabalhar em restaurante até me aposentar, há pouco tempo que consegui – disse o senhor que parou para um gole, um trago no cigarro e depois continuou:

– A vida é ingrata. Não dê chance para ela te atrapalhar, porque se der, ela vai fazer. Depois disso, o já ídolo para mim seguiu narrando seus passos:

– Tentei me matar umas três vezes, mas nunca tive coragem. O que me sustenta é a bebida. Sou alcoólatra. Admito. Mas se é para morrer, que seja assim. Não vou tirar minha vida, por mais que ela me force a fazer isso – parou outra vez, virou um copo cheio de cachaça e seguiu sem cometer faltas:

– Lembra do Castilho? Claro que não lembra, mas deve ter ouvido falar. Goleiro do Fluminense que se matou quando parou de jogar. Era gente fina. Se dedicou ao time. Até tirou um dedo para jogar uma partida contra o Flamengo. Pegava muita mulher, aquele filho da puta. Quando parou de jogar, não tinha o que fazer, tentou ser técnico, não deu certo, se matou. A vida é jogo duro. Uma dividida ríspida! Às vezes, a gente consegue dar um balão, uma caneta, um drible mais ousado, mas nem todo mundo tem
físico para isso.

3 comentários:

Paula S disse...

Esse livro é muito bom!!! rs

Sônia disse...

Eu gosto tanto dessa...

Jô disse...

Vou comprar esse livro!