domingo, 23 de dezembro de 2012

Um conto de natal

(Crédito foto: Web)

Ao contrário da maioria dos contos de natal, esse não tem um mendigo (só no final), nem um milionário. Jorge, um sujeito de classe e vida média, bebia uma cerveja em um bar mais cheio que seu peito e mais vazio que seu bolso.

Era dia 23 de dezembro e Jorge - um solteirão não convicto – já sentia o clima do carnaval, mas o tal Espírito Natalino ainda não havia baixado perto dele.

No auge dos seus 40 anos, era a primeira vez que ele não se sentia a vontade nessa época do ano. Enganando a si mesmo, achava ser algo normal. Coisa da idade. No entanto, sabia que a tal falta se dava porque seus parentes próximos e com quem ele se dava bem morreram no começo do ano.

Jorge teria que passar o natal sozinho. Recebeu alguns convites de colegas do trabalho ou do bar, porém, não queria incomodar. Não queria se incomodar com um monte de gente que não era sua.

Para deixar a vida e essa história mal escrita mais alegre, Jorge já estava na 15ª garrafa de cerveja. Sozinho.

Então, um cara sentou em uma cadeira, na mesa em que Jorge estava. O cara se identificou como Espírito Natalino. Jorge já estava no estágio no qual tudo faz sentido. E os dois conversaram por horas e litros de cerveja.

Como em toda boa mesa bar, os assuntos foram os mais diversos. Quando falaram sobre política, o Espírito Natalino revelou que era de esquerda. E que odiava essa ideia consumista que reina durante o natal. O Espírito também falou que sua relação com Papai Noel não era a mesma de anos atrás.

- Cara, essa porra é foda. Nego só pensa em comprar, comprar. Tudo bem, eu até aceito. Sou da esquerda democrática. Mas o sentido não é esse. Onde está o amor, meu amigo? Onde está? Eu andei brigando com o Nonô (Papai Noel). Ele ficou puto porque eu brinquei que as renas dele eram veados. Ele falou que sou homofóbico. Fala sério. Logo eu, o Espírito Natalino. E o Noel anda muito exibido para o meu gosto também. Agora ele aparece em qualquer canto – afirmou o espírito de carne, osso e fígado forte enquanto passava o caminhão de natal da Coca-Cola.

- Não briga com ele não, cara. Vocês trabalham bem em equipe. Sempre gostei do trabalho de vocês. Apesar de terem esquecido um carrinho que pedi há uns 30 anos atrás - respondeu Jorge entre soluços.

- Não dá para acertar em tudo, né Jorjão? Daqui a pouco eu fico de bem com ele. Noel é gente fina – replicou o Natalino.

O Espírito Natalino também lembrou que a situação financeira vem dificultando sua vida.

- Jorge, eu já te considero um irmão. Você é como um irmão para mim. Então, vou abrir meu coração. Cara, esse negócio de ser Espírito Natalino já foi mais lucrativo. Anos atrás, as pessoas me valorizavam mais. Estou até pensando em mudar de área. Meu amigo, o Clima de Carnaval, vive cheio de trabalho, dinheiro e alegria. É complicado – falou o Espírito.

Após voltar do banheiro e olhar para a bunda de uma coroa que estava no bar, o Espírito Natalino lembrou que precisava ir ajudar Papai Noel.

Entretanto, antes de pagar sua parte da conta e ir embora, o Espírito Natalino deu seu último recado ao já bêbado Jorge.

- Jorge. Sabe o que me deixa triste de verdade? Algumas pessoas só são boas, só dão amor, compaixão e ajuda ao próximo no natal. Porra! Tinha que ser o ano todo. O mundo seria melhor. E eu ia ganhar mais dinheiro (risos). Você me entende, amigo?

- Claro, claro que sim.

- Olha o mendigo ali. Um monte de gente ajudou ele hoje. Vai ajudar amanha. Mas depois, vão mijar na cabeça do cara durante o carnaval. É disso que eu falo. Falta amor nesse mundo.

E, com a promessa de que voltaria, o Espírito Natalino se foi.

Jorge pagou a conta. Sentiu sua alma cheia outra vez e foi embora. No caminho, passou pelo citado mendigo, olhou para ele, mijou no poste ao lado do cara e foi embora.

Jorge havia entendido o recado. Pelo menos uma parte dele.

2 comentários:

Paula S disse...

Hahaha. Bom demais! Seu humor sempre mto bom. ;)

Claudio Assis disse...

Curti. Diferente, rs