domingo, 1 de junho de 2014

Retrato da vida

No último final de semana, fui assistir algumas lutas de um amigo que é judoca, exibicionista e não tem unha no dedo mindinho do pé esquerdo. Ele estava no tatame mas seu coração estava na arquibancada, nas mãos de sua amada – que também é minha amiga. Nas mãos da moça (que tem todas as unhas) também estava um aparelho celular que bate foto melhor que muitas câmeras e que vive sem cobertura para fazer ligações.

Meu amigo judoca estava focado no tatame, no entanto, não se esquecia de pedir no intervalo de cada luta que sua namorada não perdesse o foco e que continuasse fotografando seus movimentos, imobilizando o momento, como em um bom golpe.

Eis que na luta final, quando ia dar um golpe que lhe daria a vitória e o título da competição, o judoca olhou para a namorada e tentou ver o que estava na mira da lente dela. O celular não apontava para o lutador e nesse instante de descuido (e insatisfação), ele deixou o adversário escapar, levou um golpe e perdeu o derradeiro embate. Ela tirou uma foto dele chorando no segundo lugar do pódio e ele postou no Instagram, ganhou muitas curtidas e palavras motivacionais. Dos males o menor.

A namorada do meu amigo me disse que ele é o Neymar do judô. Não pelo talento e sim pela compulsão por tirar fotos e postá-las nas redes sociais. Ela disse que uma vez eles quase terminaram o relacionamento, pois ele se esqueceu de comprar um presente no dia do aniversário dela e após um quebra pau que não merece imagens, o judoca fez uma selfie com uma expressão triste e espalhou a história da briga pelos mundos e fundos da rede mundial de computadores.

Ela também me relatou (e eu como bom discípulo de Gay Talese escutei com atenção) que uma boa noite ele quis parar uma boa transa para postar no “Insta” uma foto mais sensual, um selfie pós-coito, a nova brochada da coitada humanidade virtual.

A mesma moça – mostrando preocupação com seu grande amor – contou que uma amiga dela foi atropelada e quase morreu em Nova York porque se distraiu em uma via movimentada da cidade enquanto fazia um autorretrato para botar no Facebook. Tirar foto é melhor que viver.

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