domingo, 15 de junho de 2014

Na poeira do vidro da mesa

Decidiu viajar pelo mundo. Sentia que falava algo, como quando as mãos batucam os bolsos e não acham a chave da velha porta de vidro que corta o universo em duas partes: a de dentro e a de fora. Não acreditava muito nessa ideia de "encontrar o tal eu interior". Fugia de frase feitas como o diabo foge da cruz. Jugando pela urgência com a qual alimentou a mala tinha pressa.

Conheceu as danças, os bichos, os corações e as fumaças de todos os continentes. Reconheceu muita coisa que não conhecia. O cinema nos empresta o mundo. Não sentiu que sua história estava terminada. A mesma chave que não abriu a porta de ida recusou-se a destrancar a de volta. Mas o roteiro de viagem estava encerrado. Era hora de voltar para casa. Talvez o velho edredom manchado nas pontas ainda o esperasse.

Um "oi" para o porteiro, dois andares no elevador sem espelho. Ao entrar em casa, achou encoberto pela poeira no vidro da mesa da sala de estar o que procurava. E lá não tinha nada.

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