quarta-feira, 21 de maio de 2014

Amor

No mesmo dia, no mesmo ônibus (ônibus são muito inspiradores) vi três relacionamentos sofrendo pontos finais, ou talvez um ponto e vírgula.

Primeiro, um rapaz, com cara de uns 23 anos, que gritava ao celular, reclamava com sua amada por ela ter "postado foto de puta" no Facebook e por "receber safadezas das amigas no WatsApp". Provavelmente (com meu apoio) a moça deligou na cara dele e não atendeu mais - eu o vi tentando mais 35 vezes pagar mais 25 centavos para continuar uma briga que já não tinha mais valor. Derrota do machismo, mas o amor também perde. O mancebo chorou sozinho no coletivo lotado.

Segundo, uma mulher - cerca de 30 - pedia perdão para um homem (cerca de uns 60) por - supostamente - uma traição. Foi isso que eu interpretei da conversa - gosto de observar as viagens das pessoas. Ela, muito bonita, se lamentava pelo deslize e pedia para ele não a mandar embora de casa. O senhor, castigado pelo relógio, não dizia nada, pois já havia dito tudo.

Terceiro, duas mocinhas lindas (ambas na casa dos 20 e pouco e muitos planos) trocaram meia duzia de "você que está errada" e sentam-se em bancos separados, enquanto pela janela, eu via o mar de Copacabana beijar os bancos de areia em mais um noite carioca.

Essas situações (além de me fazerem perceber que moro longe do trabalho) me lembraram um conto que escrevi há uns anos atrás e que alguns dos poucos leitores deste antro de palavras perdidas vivem me pedindo para postar outra vez. Acredito que minha história termina mais feliz que a desses três casais. Infelizmente, afinal, o amor que precisa dar certo é o real, não o da ficção.

A porta entreaberta

O apartamento que quase tocava o céu estava carregado por uma energia pesada.

Ele abriu a porta acometido. Ela interrogou com pressa:
- Onde você estava?
- No bar com uns amigos.
– Você só tem vindo em casa pra dormir... Não me procura mais...
– Tu não se esconde.

Depois da piada, ele riu. Ela sentiu o suco amargo dos olhos rolar pelo rosto e vomitou a dor que por um instante pensou em engolir:
- Você não é mais o mesmo. Depois que casamos você mudou muito. Não saímos mais, não vemos nossos filmes, não ouvimos nossas músicas... Sai da minha frente... Vá embora por essa porta...

Ela chorava hiperbolicamente. Ele era só inércia.

A vitrola que foi ligada pelo súbito, ou pelo amor, rasgou o silêncio que havia nas palavras dos dois. Era Roberto: “Eu te amo, eu te amo”...

Eles dançaram abraçados e perpétuos como se a eternidade houvesse entrado pela mesma porta ainda entreaberta.

Um comentário:

Paula S disse...

Ahhhhhhhhhhhh, adoro esse conto!!! ;)