quarta-feira, 23 de abril de 2014

Boa Noite

Chegava do trabalho às 20h, subia o elevador do prédio onde morava, girava a fechadura, entrava no apartamento, dava boa noite para a mãe (com quem dividia o lar desde a morte do pai, há dez anos) e batia a porta do quarto, deixando o mundo do lado de fora.

Chegava do trabalho às 20h, subia o elevador do prédio onde morava, girava a fechadura, entrava no apartamento, dava boa noite para a mãe e batia a porta do quarto, deixando o mundo do lado de fora.

Chegava do trabalho às 20h, subia o elevador do prédio onde morava, girava a fechadura, entrava no apartamento, dava boa noite para a mãe e batia a porta do quarto, deixando o mundo do lado de fora.

A cena se repetiu por anos – não só por três vezes. O jovem designer, mais solitário que tímido, dividia o isolamento social com a mãe, que preferiu vestir de solidão a saudade do marido tenente do exército morto em uma missão de paz fora do país.

Um dia, o rapaz não chegou. A mãe sentiu uma desesperada falta daquela ausência, abriu a porta do quarto e descobriu que ele nem havia saído. Estava deitado no chão, ao lado de variados remédios que não eram cura.

Foram para o hospital. O rapaz sobreviveu. Passou por uma lavagem estomacal, foi medicado e estava preso na cama. Às vezes, morte é liberdade. Já no apartamento (que é sinônimo de solidão) os dois conversaram e riram como não faziam há anos. Viver é se lembrar. Prometeram um para o outro que dali para frente as coisas seriam diferentes. E foram. O final feliz se mudou para aquele lar.

O rapaz sempre chegava da rua com um assunto na mochila. A mãe – que não trabalhava e vivia da pensão do marido - dava um jeito de contar algo bobo e terno, como um doce caseiro. A casa se enchia de amor.

Meses passaram e o passado, que nunca vai embora, voltou. A rotina invadiu sem pedir licença e trouxe na bagagem um estranho conforto para mãe e filho. Aos poucos voltaram a se afastar, sabiam o que estavam fazendo, mas aquela ação (ou falta dela) agrava ambos.

Uma sexta-feira à noite, o rapaz chegou em casa e foi avisado pelo porteiro do prédio que sua mãe havia morrido, vítima de um câncer de mama que já habitava o corpo dela há anos.

Semanas passaram e a vida, como sempre, continuou. O rapaz ainda chega em casa no mesmo horário, mas sente um vazio perpétuo quando ensaia dizer algo que está tarde demais para ser dito.

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