quarta-feira, 26 de março de 2014

Sonhos egoístas

Venho aqui contar uma breve história, pois já está tarde e tenho que dormir. Aliás, dormir é um dos temas centrais desse meu enredo real. Estava no ônibus indo para o trabalho depois de uma terça-feira com cara e fígado de sexta - sim, enchi a cara e acordei mal para trabalhar nesta quarta. Tentava recuperar o sono perdido na noite anterior em um dos saltitantes bancos do coletivo quando um homem começou a pregar (em voz muito alta) a palavra de Deus no veículo. Que glória. Era tudo o que eu queria...

Tentei ignorar, mas parecia que ele estava falando ao meu lado - de fato estava bem perto. Ele contou (para todos no ônibus, apesar de eu achar que era só para mim) que certa vez, três homens o sequestraram e o levaram para um cativeiro onde já estavam três reféns: um casal e uma jovem. No cativeiro, os homens mataram o casal, depois de tirar todos os pertences dos mesmos. O Pregador do Ônibus lembrou que seria o "próximo da fila". Entretanto, ele começou a orar e, sem grandes explicações, os homens lhe pouparam a vida e sequer pegaram algum pertence. Ele saiu de lá correndo, ignorando todos, inclusive a jovem, que, provavelmente, acabou o substituindo na cruel sequência dos criminosos.

O Pregador do Ônibus afirmou que a fé o salvou. Ele ainda gritou que o carro que dirigia no dia do sequestro foi encontrado intacto uma semana depois. Acontecimento que ele garante que foi alcançado por conta das orações feitas em casa e na igreja que frequenta quando não está em algum cativeiro.

Já irritado com toda a história, eu pedi - educadamente - que ele falasse mais baixo, pois queria cochilar um pouco. O Pregador do Ônibus me chamou de egoísta por ter feito tal pedido. Não discordei dele, afinal, foi um pedido egoísta. Porém, questionei:

- E o senhor, foi egoísta quando orou por sua pele no cativeiro e esqueceu da jovem que ficou lá e do casal que foi assassinado antes?

Ele me respondeu com um versículo da bíblia que até achei legal, mas que não lembro qual e que não tinha muito a ver com a questão. Depois, para a alegria do meu sono, ele se calou. Amém.

Passada a história, na volta para casa, refleti um pouco, já que não tinha ninguém falando um monte no ônibus. Acho que no fim das contas, ou no meio delas, todos somos egoístas. Não há altruísta que resista a um momento de sufoco. Na hora que a corda aperta, todos corremos para sair da forca, ou, no máximo, tirar o pai ou outro ente querido dela.

E pensando mais longe ainda, será que ser egoísta não é a melhor saída para se sair ileso de um mundo (país) egoísta? País onde os políticos só pensam no próprio bolso ou, no máximo, se sobrar algum no fim das contas, no bolso de algum parente. Será que devemos só pensar em nós? Sei lá. Vou pensar mais sobre isso, mas tem que ser sozinho.

*só para frisar que não tenho nenhum preconceito religioso, exceto quando quero dormir e tentam me incomodar.

Nenhum comentário: