quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Mocinhos Vilões

Lá estava o pivete amarrado ao tronco de um poste. O rapaz “moreno escuro”, cabelos baixos, uns 17 anos, cerca de 1,80m de altura, porte físico médio, sem camisa, trajando apenas uma bermuda jeans, foi preso lá por um grupo de justiceiros. Nesse caso, não houve agressão. “Apenas” o amarram lá com uma corda após descobrir que ele havia roubado o apartamento de um jovem morador, recém-chegado ao bairro.

Com os olhos pesados de vergonha e ira, o pivete conseguiu enxergar no rosto do único justiceiro que ficou por perto a imagem de um deputado que mandatos antes fora na favela que morava (antes de cair no mundo, após a morte de seus pais em um incêndio no barraco) e que lhe prometera uma escola e condições de emprego. Eram muito parecidos, deveriam ser pai e filho. Apesar de saber que a maioria dos políticos brasileiros não é de cumprir promessas nem de pensar no povo, o pivete acreditou naquele senhor. Ele tinha no discurso do homem a fé que a vida nunca teve nele.

O tal deputado era mesmo pai do justiceiro que ficou. Digo era, pois por divergências de ideias (após descobrir um esquema de corrupção do pai, envolvendo até ONGs em muitas favelas da cidade), o rapaz brigou feio com o homem e saiu de casa, esquecendo definitivamente toda a vida repleta de luxos que levava. Foi morar sozinho, trabalhar, correr atrás para conquistar suas cosias. Coisas que foram roubadas pelo pivete que invadiu seu apartamento. Tomado pela raiva e frisando a falta de ação da polícia no bairro, o jovem se juntou aos justiceiros e passou a “prender” suspeitos e conhecidos garotos que comentem furtos e roubos na região. Meninos que diziam que não viviam para roubar, mas que roubavam para viver.

Disposto a uma vingança mais pessoal, o jovem “moreno claro”, cabelos baixos, uns 19 anos, cerca de 1,80m de altura, porte físico médio, tirou a camisa, ficando apenas com uma bermuda jeans de marca, soltou o pivete e o convidou para a briga enchendo-lhe o olho com um soco. O pivete respondeu com um chute na barriga do filho do deputado. Os dois se agrediram até que o sangue jorrou das duas caras. Das duas peles. Assinando com caneta vermelha suas identidades. As janelas dos prédios vizinhos ao poste viraram arquibancadas de coliseu. Os cidadãos de bem gritavam: “mata esse pivete!”.

Até que, na mesma hora que a luz do poste sofreu uma queda, os dois caíram na lama, rolaram, se sujaram e ficaram idênticos aos olhos de quem assistia a luta das janelas dos apartamentos. À direita e à esquerda não se sabia mais quem era vítima ou culpado. Pivete ou justiceiro. “Moreno claro” ou “Moreno escuro”. Todos procuravam entre a sujeira de toda aquela complexa situação encontrar alguma resposta.

*essa é uma história de ficção.

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