quarta-feira, 16 de maio de 2018

Dentaduras

Descobriu os segredos da vida. Sim, são vários. A vida é plural, com o perdão do clichê. Sabia como tudo funcionava. Dominando o manual, tinha como evitar os problemas, multiplicar as fases boas.

Era o seguinte: percebeu que na vida de todo mundo, as fases boas e ruins se alternavam, uma após a outra. Entre elas, etapas intermediárias, que mesclavam momentos felizes e tristes, proporcionalmente divididos de acordo com a proximidade das fases positivas e negativas.

Com isso, quando estava nas fases intermediárias (que são as que duram mais tempo), e queria viver alegrias carnavalescas, forçava tristezas de inverno. Então, chovia felicidade em sua vida.

Dramatizava pequenas questões problemáticas do dia-a-dia com a força do teatro grego e em troca, na sequência, recebia a mais intensa das comédias.

Fez isso por décadas. Havia também descoberto outras intimidades da vida, mas a que mais usava era essa da felicidade. Era o homem mais feliz do mundo. Uma vida eterna de alegrias.

A vida é criativa e ele sabia. Criar estruturas complexas como essa não é para qualquer um. E foi essa criatividade da vida que o fez se dar mal. Ela descobriu que ele havia descoberto seu segredo. Quis mostrar como as coisas são.

Um belo dia, como eram belos todos os dias dele, após uma tarde de diversões e muitas gargalhadas, o homem, já um senhor de idade nesta época, engasgou com a própria dentadura e foi parar no hospital. Como sabia os truques da vida, raramente ficava doente. Isso só acontecia quando queria passar por uma fase ruim para entrar em uma boa e forçava algum problema de saúde.

No hospital, sem entender muito bem o que estava acontecendo, (o que lhe doía bastante) ficou sabendo que não iria sobreviver. Para justificar a notícia preocupante e bizarra, o médico disse: "É a vida".

Horas antes da morte, escreveu um livro de autoajuda contando os segredos da vida. Deixou claro no final do texto que já que a vida o levou porque ele descobriu seus segredos, ele iria dividi-los com o mundo e a vida teria que matar muito mais gente.

A vida continuou como sempre foi, é o que temos todos os dias, belos ou não. Porém, as pessoas que leram o livro de autoajuda escrito pelo homem pararam de usar dentaduras. Mas, mesmo assim, elas dão gargalhadas. Com certa frequência, até.

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