quinta-feira, 2 de abril de 2015

Velho do bar

Todos os dias ele estava lá. Na mesma cadeira meio quebrada, na mesma vida sem um pedaço. Dizem as línguas mais sobreas que ele se afundou no álcool quando seu amor se afundou na terra, morta por um enfarto.

A questão é que ele não ficava bêbado a ponto de dar vexame. Aliás, nem dava sinais de embriaguez. O tom era sempre o mesmo. De homem vivido, graduado na faculdade do tempo, bom de papo, malandro adorado por semelhantes e otários. Pois, “o bom malandro precisa ser otário duas vezes por dia”, dizia ele.

Chegava ao boteco na hora do almoço e só saia lá por volta das oito da noite. Ia para casa, dormia e voltava na tarde seguinte, religiosamente, todos os dias.

Os bêbados mais sacanas diziam que ele estaria no bar tão certo quanto o nascer do sol. Um mais exagerado falou que o nascer do sol não aconteceu um dia, mas o velho, com seus cabelos brancos e bermudas coloridas, esteve no bar mesmo assim.

A dona do bar era só elogios. Também, o velho além de consumir ajudava em um eventual serviço. Limpava mesas, carregava caixas de cerveja, preparava sanduíches e contava histórias que até faziam os cachaceiros interromper os goles por um intervalo de tempo mais cheio.

Quem não ia muito com o focinho do velho eram os vira-latas que cercavam o estabelecimento etílico. Era o velho levantar para ir embora que eles latiam como se não tivessem gargantas. Talvez fosse saudade. Talvez raiva. As duas coisas se cruzam nessa vida trançada.

Porém, teve um dia que o velho não foi ao boteco. E teve outro. E teve outro. E teve outro. Alguém bateu na casa dele. A porta trancada e com uma trava interna foi aberta como uma garrafa de champanhe, num estouro.

O estrondo maior se deu quando o corpo do velho do bar foi visto no chão da modesta sala. Estava morto. Como o seu grande amor. Não se soube a causa. No caso de morte, a causa não vale nada. O que importa é a consequência.

No dia seguinte o bar abriu. No entanto, a cerveja estava quente. A cachaça mais amarga que o normal. As mesas fora do lugar. Até a cadeira quebrada foi ajeitada. Até os cachorros da rua ficaram calados. Até o Sol se intimidou e deixou o céu cinza como o corpo do velho do bar, que sempre pediu para ser cremado. Até mais, tio Zé, você era o velho do bar mais legal desse mundo ensolarado. Foi uma honra beber com o senhor algumas vezes.

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