sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Não te perguntei nada

Sou o mais velho de nove primos – por parte de mãe. A penúltima caçula hoje tem 15 anos e uma opinião bem formada e pouco fundamenta em relação aos assuntos do mundo. Ela tem uma irmã de três anos (a caçula). Essa, a mais novinha, sempre que me encontra – quase todo dia, pois todas as reuniões de família são aqui em casa – me enche de perguntas. Me perco em tantas interrogações e forjo pontos finais, pra ver se ela me dá um ponto e vírgula de descanso.

Fisicamente, ela se parece muito com a irmã. E me lembro da irmã quando tinha a idade dela. Era a mesma coisa: uma enciclopédia de questionamentos. E eu que me virasse para explicar. Nunca neguei respostas. Conhecimento (por menor que seja o meu) é a única coisa que damos para os outros e que continua conosco.

“O que é bicha, veado, sapatão?”, “por que meu amigo é negro?”, “por que estas crianças estão dormindo na rua?” “qual o nome delas?”, “quando a gente vai morrer?”, “pra onde foi a tia?”, “as pessoas viram estrelas?”, “quem é Deus?” “por que os Simpsons são amarelos?”, “posso riscar seu livro?”, “quem sou eu?” ”camisinha é uma camisa pequena?”, “por que você usa brinco?”, “se eu passar cuspe na tatuagem ela sai?” “de onde a gente vai?”.

Essas são só algumas das perguntas que já ouvi das duas irmãs – a mais nova é ainda mais certeira, parecem que nascem mais inteligentes a cada geração.

A mais velha está na fase de se meter em qualquer assunto com alguma opinião vazia. O problema é a certeza com a qual essas certezas são ditas. As interrogações emagreceram. Sumiram. Exclamações sem base nenhuma desaguam da boca da jovem e ai de quem questionar. Bate a porta. Fecha a cabeça. “Não te perguntei nada”.

Isso acontece nas melhores, nas piores famílias e também com os órfãos. As crianças crescem e param de questionar, passam a aceitar certezas que lhes impõem e ponto final. As interrogações estão em extinção no mundo adulto ou sempre estiveram? Você sabe a resposta?

Pergunto a minha prima mais velha enquanto tento responder a mais nova: "por que você parou de perguntar?".

(Ao som de: Clube da Esquina)

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