quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Um Sabiá sobre o Salgueiro

Todos os dias, do ponto do ônibus de uma cidade cada vez mais barulhenta e violenta, via um senhor negro, com mais de 80 anos, sereno, sentado em uma firme e delicada cadeira de madeira no meio de uma pequena rua ocupada por bravos vendedores de flores, na Tijuca, no Rio de Janeiro. Uma ilha de paz e perfume no nosso Rio de desespero.

Pela manhã, eu descia do coletivo para meus compromissos e lá estava o homem. À tarde, enquanto esperava a condução para ir embora, lá estava o homem. De tão plácido parecia fazer parte de um dos jardins à venda. De todos. Vivo! Não havia plásticos ou plásticas ali. Não mesmo. Superior aos óculos que vestem quase todo o vivido rosto avaliava as pessoas que vão e que ficam; as flores que nunca vão.

Um dia passei pelo corredor de lojas de flores. Parei para conversar com o tal senhor. Em cinco minutos de papo, descobri que se tratava de um lúcido Djalma Sabiá, um dos fundadores, em 1953, da Acadêmicos do Salgueiro, uma das escolas de samba semeadas naquele bairro.

O Salgueiro é conhecido como a árvore da morte. Sabiá é o pássaro que canta pelo amor, pela vida que nasce na primavera. O velho conhece todas essas histórias. E outras. Muitas outras. Folhas e folhas a serem escritas. Mostrou que ainda tem alguns carnavais para o Sabiá ficar, falar e cantar sobre o Salgueiro. Palavras se riscam e nunca conseguem dizer muito sobre a vida.

Ah, ele disse que gosta de ficar na “rua das flores”, pois precisa ser ele mesmo hoje em dia. Depois de anos e anos encantando o mundo das fantasias do carnaval (que ele disse ainda amar muito) com, principalmente, suas composições, precisa cantar baixinho, na dele, só por amor à vida. A própria vida.

Um comentário:

Paula S disse...

A arte de transformar "bobagens" em arte. 'Palavras se riscam e nunca conseguem dizer muito sobre a vida.'